O Arquivo de Arqueologia Portuguesa: Entre o Papel e o Digital

CIDEHUS Convida: Semana dos Arquivos.2020

Os arquivos são recorrentemente frequentados pelos arqueólogos em busca de documentação histórica, cartográfica, fotográfica, ou de qualquer outra natureza – fontes complementares e essenciais no estudo dos sítios, dos contextos e dos artefactos arqueológicos.

      A Arqueologia estuda a cultura e o modo de vida da sociedade, através da análise dos vestígios materiais deixados pelo homem, pelo que está tradicionalmente associada ao uso de inventários e catálogos, no estudo das colecções de artefactos. No entanto, os arquivos são, também, recorrentemente frequentados pelos arqueólogos em busca de documentação histórica, cartográfica, fotográfica, ou de qualquer outra natureza – fontes complementares e essenciais no estudo dos sítios, dos contextos e dos artefactos arqueológicos. Por outro lado, a gestão do património arqueológico e o trabalho dos arqueólogos, em Portugal, resulta no incremento contínuo de um acervo de documentação técnica e científica, gerido pela Direcção Geral do Património Cultural – o Arquivo de Arqueologia Portuguesa.

 

O fundo arquivístico da Arqueologia portuguesa 

      Este fundo arquivístico de arqueologia integra documentos das instituições públicas, a nível nacional, com competências na gestão do património arqueológico. Inclui documentação datada desde os anos 40 do século XX, proveniente do arquivo da Junta Nacional de Educação. 

      Segundo dados da DGPC, no final de 2013, o arquivo integrava mais de 17000 processos e cerca de 500.000 documentos. É um arquivo científico, constituído por documentação técnica relativa a intervenções e a sítios arqueológicos. Compõem o arquivo relatórios de trabalhos de escavação, prospecção, acompanhamento, conservação e valorização, resultado de trabalhos arqueológicos de investigação e de carácter preventivo ou de urgência. O Arquivo de Arqueologia Portuguesa inclui, ainda, documentação e informação sobre projectos de investigação, monitorização e estado de conservação dos sítios arqueológicos, e todo o tipo de documentos relativos à gestão do património arqueológico português. Os processos incluem todo o género de documentos em suporte físico e digital (disquete CD, DVD). Textos, desenhos, fotografias, cartografia e ficheiros audiovisuais que resultam dos trabalhos arqueológicos, assim como toda a documentação administrativa trocada entre a tutela e os arqueólogos responsáveis – planos de trabalho, autorizações, pareceres etc. 

 

Um arquivo corrente e essencial na gestão da actividade arqueológica nacional 

      O Arquivo de Arqueologia Portuguesa é um arquivo corrente, em permanente crescimento e atualização, directamente ligado aos procedimentos de gestão e salvaguarda do património arqueológico nacional. 

      A informatização da informação e a criação do Endovélico – inventário geral dos sítios arqueológicos – disponível on-line desde 1998, colocaram a arqueologia portuguesa, precocemente no mundo digital, tornando-a mais acessível aos profissionais e ao público. Uma tendência, tornada realidade, apenas nas décadas seguintes, em muitos países da Europa. Um acesso que, por outro lado, alguns países europeus mantem, até hoje, limitado aos profissionais da área. 

     O esforço da DGPC na transição para o mundo digital tem sido contínuo, através da paulatina informatização da informação e dos processos, centralizados no Portal do Arqueólogo. Este portal agregador permite aos profissionais da arqueologia aceder a um conjunto de ferramentas, incluindo a consulta de informação de base sobre os processos de trabalhos, projectos e sítios arqueológicos, que serve de ponto de partida para o pedido de consulta presencial da documentação do Arquivo de Arqueologia Portuguesa.

      O Portal do Arqueólogo permite o acesso ao inventário de sítios arqueológicos nacionais e às bases de dados de trabalhos arqueológicos e projectos. Dados recentemente migrados para um GeoPortal, no qual os sítios arqueológicos surgem georreferenciados, permitindo uma pesquisa mais fácil e direccionada. Essa representação cartográfica dos dados facilita a leitura do enquadramento histórico-arqueológico e geográfico dos distintos vestígios, por parte da comunidade arqueológica, favorecendo a compreensão da ocupação humana do território, em diferentes épocas, e facilitando a análise dos trabalhos arqueológicos realizados em determinada área ou região. 

      O Portal do Arqueólogo congrega o conjunto da legislação, regulamentos, circulares, normas e formulários, que regulamentam o trabalho arqueológico em Portugal, incluindo as directrizes para a elaboração de relatórios e registo gráfico das intervenções arqueológicas. A entrega em formato digital da documentação técnico-científica é obrigatória e é possível, desde 2012, submeter on-line pedidos de autorização para trabalhos arqueológicos (PATA) e projectos de investigação plurianuais (PIPA), através da área reservada a profissionais. No entanto e infelizmente, não é, ainda, possível submeter relatórios através da plataforma. 

      A semana passada, marcou o lançamento de uma nova área dedicada aos “Sítios Visitáveis”, devidamente georreferenciados, com descrição e informação relativa ao acesso e à forma de visita possível. Uma ferramenta de comunicação que visa atingir um público mais vasto e aproximar a Arqueologia do cidadão. 

 

Um arquivo que se deseja, todavia, mais acessível 

      Atualmente o acesso ao Arquivo Arqueológico Português é feito, exclusivamente, de forma presencial no Palácio da Ajuda, em Lisboa, ou, no caso da documentação relativa aos processos de arqueologia de meio aquático, na sede do CNANS – Centro de Arqueologia Náutica e Subaquática, localizada no MARL – Mercado Abastecedor da Região de Lisboa. 

      O arquivo está acessível mediante marcação prévia via e-mail, apresentação de identificação do requerente e justificação da consulta. No entanto, o acesso ao público está limitado a um dia por semana (às quartas-feiras) e a um máximo de 4 requerentes por semana. O que representa uma enorme limitação de acesso e oferece sérias dificuldades à fruição da informação, essencial ao trabalho da comunidade arqueológica nacional. De momento, e na sequência das medidas de contenção e distanciamento social decorrentes da pandemia da COVID-19, a consulta presencial encontra-se, inclusivamente, suspensa.

      A DGPC iniciou a digitalização dos processos em 2013, com vista à criação de um repositório digital acessível online, que se previa ficasse acessível em 2018. No entanto, a comunidade profissional continua a aguardar, para breve assim se espera, acesso aos relatórios técnico-científicos em formato digital, através do Repositório Arqueológico Nacional, a disponibilizar no Portal do Arqueólogo.   

      Ao contrário do que acontece em países como a Itália ou a Espanha, Portugal não tem tradição na publicação de boletins arqueológicos periódicos que sistematizem os resultados dos trabalhos arqueológicos desenvolvidos no país. Exceção para a série de “Trabalhos do CNANS”, promovida entre 2001 e 2011, provavelmente inspirada no “Bilan Scientifique du DRASSM” (França). Ainda assim, a política de publicação de resultados da DGPC tem sido garantida, de forma regular, através da “Revista Portuguesa de Arqueologia” e da série de estudos arqueológicos de âmbito monográfico intitulada “Trabalhos de Arqueologia”. Complementadas pelo “O Arqueólogo Português”, a revista periódica do Museu Nacional de Arqueologia, igualmente disponível, em acesso aberto, do site da DGPC.  

      Por outro lado, Portugal tem procurado seguir as políticas de acesso digitais aos dados arqueológicos, utilizadas pela generalidade dos países europeus. As novas tendências incluem a disponibilização em acesso aberto de informação, através de infra-estruturas integradas de dados arqueológicos que incluem bases de dados bibliográficas e inventários de sítios, assim como acesso a datasets com dados georreferenciados. São disso exemplo o, já referido, GeoPortal ou os “geodados” relativos aos trabalhos arqueológicos realizados na cidade de Lisboa, disponibilizados pelo CAL – Centro de Arqueologia de Lisboa.

      Nos últimos anos, a comunidade científica internacional tem promovido a discussão em torno das políticas de gestão e acesso à informação arqueológica e aos arquivos arqueológicos, através de associações e redes, entre as quais se destacam a EAA – European Association of Archaeologists e a rede AREA – Archives of European Archaeology. Acções das quais têm resultado alguns projectos que visam facilitar o acesso de profissionais e investigadores a inventários de sítios, bases de dados de trabalhos arqueológicos, relatórios e bibliografia. Destacamos o projecto ARIADNEplus, financiado pelo Comissão Europeia e em curso, cujo portal agrega cerca de 2.000.000 datasets, e conta com parceiros de um conjunto alargado de países europeus, entre os quais se encontram a DGPC e o LNEC – Laboratório Nacional de Engenharia Civil

      Estes “novos” arquivos digitais são essenciais aos arqueólogos e aceleram de forma inegável a investigação arqueológica.

 

Sónia Bombico

Publicado em 10.06.2020