18 de Maio, Dia Internacional dos Museus: uma reabertura simbólica dos museus?

O Dia Internacional dos Museus em 2020 coincide com o início da reabertura dos espaços culturais, depois de quase dois meses de portas fechadas devido a pandemia do Covid-19. Mas é possível voltar ao "normal"? Existe lugar para o otimismo, apesar das constantes crises? Estamos preparados para um futuro digital dos museus e seus profissionais? 

 

Os museus na Europa estão a começar a reabrir depois de quase dois meses de portas fechadas. Em Portugal, a data de reabertura coincide com a celebração do Dia Internacional de Museus (desde 1977), hoje, 18 de Maio. O verbo é “desconfinar”, com novas regras sanitárias e de segurança, com precaução e distanciamento social, mas na tentativa de regressar a alguma “normalidade”, aquela que for possível face às circunstâncias desconcertantes em que vivemos com a crise da Covid-19.

Este ano é provável que a celebração do Dia Internacional dos Museus não desencadeie os ajuntamentos habituais. A entrada gratuita, geralmente associada a estes dias especiais, é também este ano reiterada e anunciada por alguns museus, mas pergunto-me se será tão interpeladora como foi em anos anteriores? 

O clima de medo e de alerta, que ainda se sente depois do estado de emergência e do estado de calamidade que ainda se vive, aliado aos constrangimentos obrigatórios e necessários a uma visita a um museu, mais condicionada, levará certamente nos tempos mais próximos a um compasso diferente. Às eventuais barreiras que potencialmente inibem a visita a um museu (ex. falta de interesse e hábitos de visita, falta de tempo, preço/custo, etc.) pode acrescer o desconforto, a estranheza e o pouco à vontade com relação às limitações e constrangimentos que agora se impõem, devido à necessidade de implementar normas sanitárias e de segurança no contexto da pandemia Covid-19. No imediato, é difícil prever a reação e o comportamento dos públicos nacionais. No caso dos visitantes estrangeiros, que nos últimos anos constituíam uma parcela significativa das visitas aos museus e monumentos nacionais, estimam-se à partida quebras assinaláveis com a redução do turismo externo por um período que é por ora indefinido.

 

Um novo normal? 

Voltar ao normal talvez seja uma miragem. Mas haverá lugar para algum otimismo? Um estudo nos Estados Unidos (Dilenschneider, 2020) inspira uma nota positiva quanto aos próximos meses, sugerindo que a intenção dos americanos em voltar a visitar organizações culturais, incluindo museus, poderá ser crescente com o passar do tempo. Mas com ressalvas, destacando que as pessoas poderão tendencialmente visitar espaços culturais que permitam maior liberdade de movimento em detrimento de espaços que se apresentem mais limitados em termos de espaço. Além disso, também é sugerido neste estudo que as intenções de visita irão estar dependentes da perceção de como as organizações culturais asseguram e priorizam a segurança dos seus públicos. Poderemos esperar o mesmo em Portugal? Para já ficam as dúvidas e a convicção de que restaurar um clima de confiança e segurança poderá levar o seu tempo.

 

De crise em crise? Socorrer no imediato e preparar estratégias para o futuro

Após um primeiro momento de surpresa, caos e desorientação, têm abundado os apelos, as campanhas, as cartas abertas, os abaixo-assinados, os inquéritos e os debates, colocando a descoberto as fragilidades, e defendendo a relevância da cultura, das artes, dos museus e do património na sociedade. E neste contexto há urgência no imediato, em mitigar a disrupção e socorrer os que ficaram mais desamparados. Refiro-me em particular aos trabalhadores independentes, que com vínculos precários e a trabalhar nas margens das organizações culturais, incluindo os museus, viram a sua prestação de serviços interrompida ou dispensada na sequência da irrupção da crise.

Mas para além do imediato, é imperativo pensar a médio e longo prazo, com proatividade, com estratégia e com políticas públicas assertivas. A crise provocada pela pandemia Covid-19 veio penalizar severamente o setor dos museus, que mal tem sobrevivido a crises sucessivas. Num passado ainda recente, lembre-se os efeitos da crise financeira internacional do pós-2008, agravados com a crise da dívida soberana portuguesa a partir de 2011, da qual o setor ainda não se recuperou. Urge inverter o ciclo de desinvestimento e ultrapassar assimetrias há muito identificadas. 

Neste quadro de reabertura dos museus, para além do afã na implementação de procedimentos de segurança, necessários no rescaldo da pandemia, é fundamental o posicionamento estratégico da tutela da Cultura para equacionar medidas concretas para o futuro.

 

Museus e transformação digital: reconhecendo a importância

Com o encerramento dos museus um pouco por todo o mundo devido à pandemia Covid-19, o “on-line” e o “digital” tornaram-se palavras-chave recorrentes num contexto de urgência e de necessidade para continuar a demonstrar a relevância dos museus e garantir a sua visibilidade em ambiente digital. Sobre o período de confinamento, um inquérito recente promovido pela NEMO (Network of European Museum Organizations) revela que 4 em cada 5 museus aumentaram os seus serviços on-line, verificando-se em contrapartida um aumento de visitas virtuais face a esse investimento (NEMO, 2020).

Entre as recomendações que resultam do inquérito da NEMO sugere-se a necessidade de entender o digital como uma dimensão complementar do museu físico. Diversificar as formas de acesso e o envolvimento dos públicos, em que o digital e o físico sejam dimensões cada vez mais interligadas não são conclusões novas, mas este contexto de crise veio certamente reforçá-las. O envolvimento de públicos em contexto digital poderá passar, em muitos casos, de uma questão meramente retórica para uma oportunidade concreta no plano imediato.

Como já era observável antes da crise da Covid-19, no caso dos museus portugueses, as respostas aos desafios trazidos pelas tecnologias digitais eram, de um modo geral, insuficientes e frequentemente pouco estruturadas, exigindo conhecimentos e recursos que não existiam ou eram claramente limitados (Carvalho e Matos, 2019). Se já se perspetivava necessário incrementar meios e recursos para robustecer serviços, promover o recrutamento e a capacitação de profissionais com novos conhecimentos, especialização e competências, hoje afirma-se crucial passar do diagnóstico à ação – de forma concertada, integrada e estratégica. Por sua vez, esta capacidade de reinvenção e inovação pressupõe lideranças atentas e proactivas, assim como uma política museológica responsiva em termos dos recursos necessários: humanos, financeiros e infraestruturas adequadas, de modo a permitir superar assimetrias de partida.

 

Referências

Carvalho, Ana, e Alexandre Matos. 2019. “Museus e Sociedade Digital: Realidades e Desafios em Portugal.” Revista de Museus, n. 2: 8–23.  

Dilenschneider, Colleen. 2020. “DATA UPDATE: How COVID-19 is Impacting Intentions to Visit Cultural Entities – May 11, 2020.” In Know Your Own Bone, 11-05-2020.  

NEMO. 2020. “Survey on the Impact of the COVID-19 Situation on Museums in Europe: Final Findings and Recommendations.” NEMO (Network of European Museum Organisations). 

Ana Carvalho

Publicado em 18.05.2020