Os arquivos em tempos de transformação digital: o olhar do investigador

Preservar não é tudo. No que diz respeito aos arquivos é importante que estejam acesssíveis tanto fisica como digitalmente, com qualidade e o suporte de trabalho especializado

Os arquivos históricos portugueses mudaram muito nos últimos 40 anos, apesar de estarem quase sempre muito esquecidos por parte do poder político e com crónica falta de mão-de-obra. Esta última particularidade tem sido uma constante, difícil de ultrapassar, como se pergaminho/papel antigo não fosse mais do que papel velho e servisse de pouco.

Nos anos de 1980-90, o grande desafio era inventariar as extensas massas documentais acumuladas. No início deste século, a par das inquietações com os arquivos da contemporaneidade, as preocupações foram sobretudo melhorar a formação dos profissionais e apanhar a onda das diretivas que no plano internacional se discutiam e aplicá-las num leque alargado de instituições. Nos últimos anos, a transferência de suporte rumo ao digital ganhou força como nunca.

A quantidade de imagens disponibilizadas online tornou-se um indicador de produtividade, em muitos arquivos. É um output poderoso e com o qual aparentemente ganham todos os intervenientes, desde os acervos, porque são menos manuseados, até os investigadores porque podem consultar o material em toda a parte e a qualquer hora. O interessante é que Portugal tem um bom desempenho neste campo, no plano internacional.

Quem achar, todavia, que as condições de trabalho no que à investigação histórica diz respeito estão aqui facilitadas engana-se. O trabalho de arquivos continua a ser árduo.

Em tempos de aposta nos dados ligados, disponibilizar imagens em suporte digital é curto. Importa ganhar o campeonato da qualidade. Para este efeito, há que investir na melhoria da descrição dos conjuntos, na indexação e nos instrumentos de busca. O avanço neste campo foi o Portal Português de Arquivos, permitindo recuperar informação em vários arquivos em simultâneo. É uma iniciativa louvável, que necessita, todavia, de melhorar a qualidade dos seus filtros. No entanto, consultar materiais online é penoso e demorado. Ainda há instrumentos de pesquisa em vários volumes que foram digitalizados como simples imagens e sem critério. Assim, pode acontecer que um em 7 volumes, por exemplo, ofereça em suporte virtual apenas 3 e os restantes continuem em papel e vice-versa. Há peças documentais estruturadas que só ganhariam em apresentar um pequeno tratamento que facilitasse a pesquisa, remetendo para as várias componentes. O que no original se localizava rapidamente, agora exige muito tempo, a lutar contra visualizadores pouco amigáveis e lentos. Promover a investigação sobre a materialidade dos acervos e a sua comunicabilidade, sejam os originais ou os derivados virtuais, devia constituir uma aposta essencial dos arquivos porque estas duas realidades podiam e deviam estar mais associadas.

 

Em suma, importa ouvir mais o utilizador porque todos queremos o mesmo: melhorar e potenciar a investigação. Preservar não é tudo.

 

Fernanda Olival

Publicado em 15.06.2020