As fontes do Arquivo Nacional De Angola para o estudo da história dos Caminhos de Ferro de Luanda e de Mossâmedes

O estudo das fontes existentes no Arquivo Nacional de Angola ainda não é muito conhecido para o estudo das fontes sobre os Caminhos de Ferro de Angola. Por tal razão, considera-se importante mostrar a comunidade científica esta alternativa que favorece restaurar a história.

Introdução

O estudo das fontes existentes no Arquivo Nacional de Angola (ANA) suscitou grande interesse pelo facto de que muitas vezes ao fazer leituras sobre os Caminhos de Ferro de Angola (CFA), nota-se a tendência em abordar o assunto através de outros acervos sem recorrer as fontes existentes no ANA, o qual conserva informações valiosas que possibilita reconstituir a história. Por tal razão, considera-se importante mostrar a comunidade científica esta alternativa que favorece restaurar a história.

Neste sentido, o presente texto, procura oferecer um olhar, sobre as fontes, tendo em conta a tipologia da documentação existentes neste arquivo que permite reconstituir a História dos Caminhos de Ferro de Angola em particular de Luanda e Mossâmedes. Deste modo, importa ressaltar que não é de interesse abordar em torno destes Caminhos de Ferro, mas sim, sobre as fontes existentes neste repositório, bem como inferir sobre as valências e características que as mesmas apresentam para o efeito. 

Relativamente aos estudos históricos e as produções científicas costumam-se ter por base o uso de documentos como fontes primárias que segundo Goff (2003) considera ser necessário para sua perceção como uma construção, como produto da sociedade que de acordo as relações de forças que detém o poder, torna-se necessário não só perceber o documento como tal mas sim, como um monumento que precisa ser interpretado no contexto da sua produção.

Assim sendo, o texto encontra-se dividido em 2 partes, sendo que num primeiro momento se fez uma génese do Arquivo Nacional de Angola e sua contribuição na história dos Caminhos de Ferroatravés do esboço de uma entrevista da Directora feita pela pesquisadora Iracelma Dulley.

No segundo momento apresentou-se um olhar sobre a tipologia de fontes disponíveis tendo em conta as suas potencialidade para aprofundar e reconstituir a história dos Caminhos de Ferro de Luanda e Mossâmedes.  

Desde esta perspetiva, o texto enquadra-se numa abordagem qualitativa recorrendo pesquisa analítica, compreensiva e descritiva a partir do estudo bibliográfico e análise documental na busca de respostas de uma realidade histórica social sobre o ANA.

1. Génese do Arquivo Nacional de Angola e sua contribuição na história dos Caminhos de Ferro 

A compreensão da História de Angola exige do pesquisador atento a necessidade de relaciona-la com a História de Portugal, muito pelo facto de que Angola enquanto colónia de Portugal na África, tem até antes da proclamação da independência, um conjunto de medidas e transformações associada a este país. 

Desde esta perspetiva, para entender o território angolano antes da ocupação efetiva se faz necessário recuar ao século XIX , pois, segundo Pellisier (1986) ao contrário do que se pensa muitas vezes a presença colonial no território angolano, apenas foi uma certeza a partir do ultimo quartel do século XIX. Embora a este respeito e a existência de outros argumentos, o posicionamento de Pellisier (1986), considera-se a mais consensual pelo facto de ser nesta altura em que as baterias de Portugal, enquanto potência colonizadora, vão começar a olhar para Angola como uma fonte para o crescimento económico de Portugal.

Assim sendo, para uma abordagem sobre o Arquivo Nacional de Angola, faz-se necessário saber em primeiro lugar afinal quando e em que contextos viveu esta instituição que hoje se apresenta como centro de documentação que tem servido de base para muitos estudos e em diferentes áreas. Desta forma, recorreu-se a elementos referidos pela pesquisadora Iracelma Dulley, numa entrevista realizada a atual Diretora da ANA, Alexandra Aparício, que em relação ao historial sobre sua criação e evolução considerou a seguinte cronologia (disponível aqui):

1.     1873- Realizada a primeira inventariação de documentos da província de Angola; 

2.     1891 - Foi passada a ordem de que toda documentação anterior a 1874 deveria ser recolhida à Torre do Tombo, em Portugal. Isso fez com que muitos documentos do século XIX fossem enviados para lá. Até meados do século XIX foi enviada grande parte da documentação, mas uma parte ficou. 

3.     1930 - Criado o Arquivo Histórico Colonial na Rua Pedro Félix Machado, 49, em Luanda onde permaneceu até a independência;

4.     1976 -1977 – Passa a ser chamado Centro Nacional de Documentação e Investigação Histórica (CNDIH).  

5.     1977 - Foi orientado segundo a norma da instituição que é hoje o Arquivo Histórico Ultramarino (AHU) de Portugal, que a documentação das colónias deveria sempre ser remetida para o AHU. Entretanto, por algum motivo desconhecido, a documentação do século XVIII ao século XX permaneceu em Angola diferente dos outros arquivos das antigas colónias portuguesas. 

6.     1990 – Foi nomeado para Arquivo Histórico de Angola;

7.     2002 - Tornou-se Arquivo Histórico Nacional;

8.     2009 - Decretado Arquivo Nacional de Angola através do  seu estatuto orgânico publicado no Diário Oficial da República .

Tendo em conta os elementos acima citados, pode-se observar que o ANA é um acervo documental importante para a escrita da história de Angola, pois, privilegia além de material produzido do século XVIII, encontra-se outros tipos de documentos que podem ajudar no esclarecimento de um conjunto de discussões que a historiografia ainda esta por esclarecer.

Por conseguinte, no que toca a História dos Caminhos de Ferro de Angola, existe um forte acervo documental nas caixas do arquivo que permite ao investigador uma série de olhares partindo de dentro e oferece uma possibilidade de cruzamento não só com fontes arquivísticas, mas também com outras tipologias de fontes. 

Relacionado com isso, os CFA surgem fruto das transformações e motivações que vinham ocorrendo na metrópole. Assim, apesar de que parte destas transformações tem como base a metrópole, para o seu estudo precisa-se fazer cruzamentos, que possibilitem perceber a origem dos Caminhos de Ferro de Angola.

Desta forma, o ano 1848 considera-se marco importante na história dos Caminhos de Ferro de Angola pelo facto de Arsénio Pompílio Pompeu de Carpo desenhar o primeiro esboço do projeto CFA que ligava Luanda a Calumbo. Embora esta ideia não tenha sido concretizada, mas foi a base para os projetos que se seguiram a posterior para a construção dos CFA.

Assim, a partir do ANA existem acervos que podem enriquecer a história dos Caminhos de Ferro de Luanda[1] e Mossâmedes[2] cujas informações existentes permitem reconstituir este percurso ténue, pelo facto de possuir documentação datada da segunda metade do século XIX.

 Desta forma, segundo Avelino (1999) reforça que, em 1848 surgiu pela primeira vez a ideia da construção de uma linha férrea em Angola que partiria do distrito de Luanda para Ambaca e mais tarde atingiria o distrito de Malange. Decorridos 38 anos, inicia-se os trabalhos após dois anos inaugura-se (1888), o primeiro troço ferroviário de 45 km. Em 1903, no distrito de Benguela (Porto de Lobito) começa a construção da linha férrea para o Planalto de Benguela na bitola de 1, 067m e, mais tarde, a do rio Luau de 1348 km que se concluiu em 1931. 

 

2. Tipologia de fontes disponíveis no Arquivo Nacional de Angola sobre os Caminhos de Ferro de Luanda e Mossâmedes

É importante considerar que o estudo sobre os Caminhos de Ferros na colónia de Angola, não deve limitar-se tão somente a documentação relacionada com as fontes sobre o assunto, pois, a compreensão desta temática exige do pesquisador uma compressão do contexto em que surgem as primeiras discussões sobre o assunto, bem como a situação sócio económica da colónia como elemento central para entender as razões que levaram a definição de uma dada região em detrimento das outras. 

Desde esta perspetiva, de acordo com Schellenberg, (2006), um documento pode ser útil por vários motivos e o valor contido devido ao testemunho que oferece da organização e funcionamento da administração, pode ocasionalmente ser o mesmo que o valor derivado de sua informação sobre pessoas, coisas ou fenómenos. Neste sentido, em correspondência com as ideias do autor, é importante que o pesquisador analise em relação a utilização de um dado documento em função do tipo de testemunho que este pode oferecer, a partir das informações contidas. 

Desta forma, o ANA oferece um conjunto de documentação, produzidas mesmo ainda antes de 1848[3] e depois desta data, mas que de alguma forma estão diretamente relacionadas as construções dos Caminhos de Ferros de Luanda e Mossâmedes. O acervo encontra-se discriminado em:

1.     1. Relatórios sobre os Caminhos de Ferro de Angola dentro deles destaca-se:

  • Relatório de contratação do pessoal indígena empregado nos trabalhos da construção do Caminho de Ferro;
  • Relatório Anual do Caminho de Ferro de Luanda;
  • Relatório do Engenheiro A. Armindo do Amaral sobre a exploração da linha férrea Luanda a Ambaca; 
  • Relatório do Conselho da Administração da Companhia Real dos Caminhos de Ferro Através D’África sobre o balanço da exploração da linha férrea Luanda a Ambaca; 
  • Relatório do Projecto de Organização do Conselho de Administração dos Portos e Caminhos de Ferro da Província de Angola;
  • Relatório sobre o balanço das despesas da construção da linha férrea Luanda e de Mossâmedes; 
  • Relatórios sobre a construção dos Caminhos de Ferro de Angola;
  • Relatórios das Brigadas de Estudo do Caminho de Ferro de Angola; 
  • Relatório do Engenheiro Cândido Osório;
  • Relatório do chefe dos serviços gerais do Caminho de Ferro do Ultramar Manuel António Moreira Júnior , encarregado das obras de construção dos caminho de ferro de Mossâmedes;
  • Relatório do Engenheiro Arthur Torres encarregado das obras de construção do Caminho de Ferro de Mossâmedes; 
  • Relatório da repartição do gabinete do Governo geral de Angola. 

2.     Ofícios da Associação Comercial de Luanda dirigido ao poder Público;
3.     Boletim oficial do Governador geral interino Henrique de Paiva Couceiro, sobre as tarifas do Caminho de Ferro de Luanda do comercio da Vila do Dondo,
4.      Estatutos da Companhia Real dos Caminhos de Ferro Através da África, Porto, 1886. 
5.     Memoria Explicativa e Descritiva dos Atos e da Situação da Campanha Real do Caminho de Ferro Através D’Africa,

6.      6.  Sobre os Mapas encontra-se:

  • Mapas do Distrito de Mossâmedes e de Luanda sobre o levantamento Afro fotométrico;
  • Mapa sobre o esboço coreográfico; 
  • Mapa do Litoral de Angola coordenado pelo Visconde Sâ da Bandeira e por Fernando da costa Leal;
  • Mapas de despesas de gastos e outros. 

7.     Imagens dos Caminhos de Ferro das diferentes estações e sua inauguração. 

8.     Periódicos sobre os Caminho de Ferro de Luanda, Novembro de 1888 a Outubro de 1938 (Edição especial - ANA).

Portanto, esta documentação foi produzida por elementos que estavam diretamente ligados desde a conceção, construção, gestão e administração dos Caminhos de Ferro e outros como as autoridades do Governo local e até mesmo ao Ministério do Ultramar. Estas informações apresentam características únicas na medida em que permite ao pesquisador tomar contato com os acervos podendo produzir a sua alocução sobre os factos ocorridos a luz da informação, além de que facilitará fazer cruzamentos sobre determinados assuntos em função das tipologias de fontes existentes.

Deste modo, Rosseau (1998), vem reforçar ao considerar que, o valor primário do documento é aquele que o existe em sua essência de criação, para o qual foi criado, baseado na utilização imediata e administrativa da instituição. Para tal, é necessário que o pesquisador respeite a intencionalidade da documentação, a originalidade, de formas a retirar dela o maior proveito para a sua utilização.

Sendo assim, considera-se que além desta documentação apresentada a título de exemplo, o arquivo possui um conjunto de documentos que permite o pesquisador entrar num diálogo aberto e cheio de perspetivas com as mesmas.

Por conseguinte, o olhar atento a esta documentação do ANA, é de todo importante pela quantidade e qualidade da documentação sobre o assunto, uma vez que a sua releitura permite encerrar em si, outras problemáticas sobre a ordem económica, política e social reinante, quer na colónia de Angola, quanto na metrópole na altura em que decorreram as construções dos Caminhos de Ferro de Mossâmedes e de Luanda. 

 

Considerações finais 

A reconstituição da história de um povo passa pela reconstrução de todos os marcos significativos em volta de si e os arquivos constitui uma fonte importante. Desta forma, em linhas gerais o estudo mostrou a necessidade de se continuarem aprofundar sobre o ANA como acervo importante na elaboração da reconstituição da história dos Caminhos de Ferro de Luanda e Mossâmbedes.

Assim, a produção de pesquisas voltadas sobre o tema é ainda diminuta quer no campo da História Económica e Social de Angola e Portugal, constituindo assim, um desafio para os investigadores apresentarem a abordagens sobre o assunto utilizando o ANA como uma das fontes privilegiadas. 

Finalmente, é importante considerar que apesar do ANA apresentar uma documentação rica em informação, o seu tratamento deve merecer sempre que for possível uma triangulação de informações de maneiras a permitir uma melhor argumentação conhecendo onde e como estão organizados os acervos.

Referências Bibliográficas

Dulley, I. (2017). Fontes e contextos do Arquivo Nacional de Angola: Entrevista com Alexandra Aparício. Revista Arquivo Geral, Rio de Janeiro, n. 12, p. 229-245

Goff, J. L. (2003). História e Memória. Tradução Bernardo Leitão, 5. ed. Campinas, SP: UNICAMP

Pélissier, R. (1986). História das campanhas de Angola. Resistência e revoltas, 1845-1941, volume II. Tradução de Manuel Ruas. Lisboa,: Editorial Estampa. 

Pereira, H. S. (2018). O Caminho de Ferro de Moçâmedes: entre projeto militar, instrumento tecnodiplomático e ferramenta de apropriação colonial (1881-1914). Revista de História da Sociedade e da Cultura, Coimbra, n. 18, p. 157-183, 

Relógio, A. T., Tavares, F. O. & Pacheco, L. (2017). Importância do Caminho de Ferro de Benguela para o desenvolvimento regional. Cadernos de Estudos Africanos, 33, pp. 9-30.

Rousseau, J.e& Couture, C. (1998). Fundamentos da disciplina arquivística. Lisboa: Dom Quixote.

Schellenberg, T. T (2006). Arquivos modernos: princípios e técnicas. Tradução de Nilza Teixeira Soares. Rio de Janeiro: Editora FGV.


[1] O Caminho de Ferro de Luanda é uma linha ferroviária que atravessa Angola de oeste a leste, sendo uma das mais importantes do tipo atualmente no país. Com 479 km de comprimento e uma bitola de 1067 mm, liga a estação do Bungo e o Porto de Luanda, na capital de Angola Angola, à estação de Malanje, capital da província do mesmo nome, e à do Dondo, na província de Cuanza Norte, a mesma foi aberta em 1889.

[2] O Caminho de Ferro de Mossâmedes é uma linha ferroviária que atravessa Angola de oeste à leste, sendo uma das mais importantes do tipo no país. Com 756 km de comprimento e uma largura de 1067 mm, liga o porto do Namibe, na cidade de Mossâmedes, a Menongue, capital da província de Cuando-Cubango, Este Caminho de ferro opera desde 1905.

[3] Data em que surgira pela primeira vez a proposta do projeto de construção do Caminho de Ferro de Angola da parte de Arsénio Pompílio Pompeu de Carpo que o apresentou aos comerciantes de Luanda. 

João Manuel Correia Filho

Bruno Júlio Kambundo

Publicado em 12.06.2020