Ter culpas no cartório

Do passado ao futuro, a visão e a experiência de um arquivista sobre a missão dos arquivos

Caminhamos a um ritmo célere de mudanças. Em resultado disso são múltiplos os desafios contemporâneos que se apresentam aos profissionais da informação. O mais premente, sem dúvida, o tratamento e a preservação da informação digital. Dominam, nos nossos dias, os documentos eletrónicos produzidos em formato digital ou digitalizados. Vivemos na era digital, cujas mudanças se fazem sentir nas formas de produção, acesso e difusão da informação em sistemas informatizados e em dispositivos móveis. As dúvidas e as incertezas nesta área quanto ao futuro são imensas. Vivemos tempos de tecnologias velozes e efémeras. A noção do “físico” assume outros contornos quando a informação passou a armazenar-se em servidores, acessível em outros pontos geográficos. 

Não é de hoje a preocupação com o tratamento e a preservação da informação em outros formatos antecedentes ao digital. São antigas estas inquietações e as necessidades práticas de organizar, conservar e recuperar a informação perante uma panóplia de factos e direitos que se pretendia garantir e fazer prova. Guardavam-se os documentos para provar direitos, reivindicar privilégios, exigir o cumprimento de obrigações e conduzir as atividades e as tomadas de decisão. A célebre frase, que ainda hoje usamos: "ter culpas no cartório" é um bom exemplo da importância da informação arquivística, quando se recorria aos arquivos como prática administrativa, em busca de documentos probatórios. 

É também neste cenário (herdado de um passado de séculos) que lidam, atualmente, os arquivistas, tratando documentos, em fase administrativa e definitiva. Neste particular, o legado patrimonial é enorme no que toca a documentos em pergaminho e em papel, depositados em arquivos.  Ao arquivista incute-se a responsabilidade de salvaguardar o património documental que chegou aos dias de hoje, como passagem de um testemunho, tratando-o tecnicamente, disponibilizando e difundindo a sua informação. 

É esta a missão dos arquivos que conjuga passado, presente e futuro. A figura do guardião solitário de outrora deu lugar ao arquivista atento ao início da produção dos documentos até à guarda definitiva para muitos destes, numa relação que se quer estreita entre informáticos, conservadores/restauradores e investigadores de várias áreas, entre outros profissionais. O posicionamento de cada um destes, nas funções de um sistema de arquivo, traduz-se em contributos profícuos. A este nível, também são essenciais os grupos de trabalho compostos por profissionais de informação de diferentes instituições, numa partilha de conhecimentos e experiências, quebrando barreiras físicas e institucionais, em que se comungam opiniões e projetos.  

Nelson Vaquinhas

Publicado em 11.06.2020