Obras de artistas homens viradas no MASP
https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/o-que-fazer-em-sao-paulo/post/2019/03/08/masp-deixa-obras-de-artistas-homens-viradas-em-homenagem-ao-dia-internacional-da-mulher.ghtml
Museus no mundo dC

As três palavras - diversidade, inclusão e igualdade – que compõe o tema do Dia Internacional dos Museus 2020 são fundamentais não apenas em cartazes, mas também nas práticas das instituições museológicas em uma nova realidade a ser delineada.

A última segunda-feira, 18 de Maio, assinalou o Dia Internacional dos Museus de 2020, ou, para os seguidores das redes sociais #DIM2020 ou #IMD2020. No entanto, este ano a data foi celebrada de modo diferente das últimas 4 décadas: os museus estavam de portas fechadas, devido a pandemia de COVID-19 que têm nos desafiado como humanidade desde o início do ano. 

O vírus Sars-Cov-2 é um estrutura molecular relativamente simples, mas mudou o que costumávamos chamar de realidade. Palavras como lockdown, anticoagulante, quarentena, anticorpo, pangolim entre outras, passaram a fazer parte do nosso quotidiano e tivemos que viver isolados dentro das perspetivas das paredes de nossas casas e receber informações por diferentes ecrãs (quando temos o privilégio desta possibilidade).

E os museus, como espaços de representação, ciência e de encontro social, podem responder a este momento único? 

Do ponto de vista científico, museus de história natural e de ciências já contribuíram significativamente para o estudo de pandemias e distribuição de doenças. Em um artigo publicado por Prôa e Danini (2019), são listados diversos exemplos de doenças virais cuja análise de tecidos de espécimes de coleções científicas permitiram identificar a circulação do patógenos em outras espécies animais. O exemplo clássico e estritamente relacionado com a situação atual, foi a utilização da coleção de aves do Smithsonian, com espécimes do início do século XX, que apontou que a Gripe Espanhola não foi transmitida diretamente de aves para humanos, como foi inicialmente proposto, mas sim de uma cepa viral que infetava rotineiramente porcos e humanos (Fanning et al, 2002). Outro estudo utilizou espécimes de morcegos, que foram identificados como hospedeiros do vírus do Ebola (Kemp, 2015). Em suma, os museus científicos guardam em suas coleções espécimes que registam desde a distribuição de espécies que podem ser hospedeiros de doenças hoje conhecidas (ou ainda não conhecidas), nos permitem identificar padrões de distribuição, dinâmicas, taxas de mutação e variação dos patógenos e propor como ocorreu a passagem entre os hospedeiros até a espécie humana.

Ainda a partir de um olhar técnico, num artigo recente da conservadora Francesca Casadio (2020) chamou atenção para o desafio de como descontaminar espaços museológicos e galerias de arte antes da abertura desses espaços, sem que os produtos utilizados afetassem as obras de arte. Na discussão da interação química dos produtos de higienização e sua reação com tintas, óleos, madeiras etc. fica a reflexão da autora: conservadores ao estudarem estas obras daqui há 100 anos irão encontrar uma camada de reação comum entre todas as obras de uma mesma galeria, que por mais sútil que seja, será uma “marca estratigráfica” na conservação das obras de arte.

Mas, faz sentido os museus abrirem as portas e retomarem suas atividades como anteriormente programado? De um ponto de vista museológico, como espaços de reflexão, os museus são fundamentais num momento em que questionamos como será o mundo “dC” (depois do Corona), seja por serem guardarem espécimes que podem ser estoques de vírus ou por armazenarem registos da sociedade contemporânea por suas práticas, tais como: globalização, turismo, destruição de ambientes naturais, aquecimento global, promoveram o constante confinamento de animais selvagens próximo a ambientes urbanos e rápida disseminação de um vírus. 

No entanto, para além da importância como repositório, os museus como instituições dinâmicas e ativas na contemporaneidade, podem ser espaço tanto de investigação científica, como também promotores de discussões (mesmo que seja na articulação de reuniões on-line, dada as circunstâncias) sobre a sociedade atual e como que podemos tornar a realidade “dC” melhor para todos.  

Os recursos humanos dos museus são diversos, com profissionais como técnicos, investigadores e educadores, que habitualmente discutem o passado e o presente com base nos registos de nossos patrimónios materiais e imateriais. Mas os museus só poderão atuar de modo decisivo se estas instituições também forem mais diversas, equalitárias e inclusivas. 

Estas três palavras - diversidade, inclusão e igualdade – que compõe o tema do Dia Internacional dos Museus 2020 são fundamentais não apenas em cartazes, mas também nas práticas das instituições. Não basta propor exposições sobre “mulheres artistas”, se todo o já raro espólio associado a artistas femininas representa o trabalho de mulheres brancas aristocráticas. Não basta  ter uma distribuição de género equalitária em termos de recursos humanos, se a maior parte dos cargos decisivos das instituições são ocupados por homens brancos, cabendo às profissionais de museus cargos associados ao “cuidar e educar” (considerados “atributos femininos”), como educadoras e conservadoras, e profissionais com deficiência sejam contratados apenas para consultorias ou ações pontuais.

Além disso, instituições diversas e equalitárias dizem respeito também a compor narrativas na construção das exposições e ações museológicas: quantos dos povos indígenas são ouvidos ao realizarmos a conservação de arte plumária? Ou quantas vozes dos processos coloniais estão presentes em exposições de “espólios de colônias”?

Vivemos um momento em que fomos obrigados a parar e fechar as portas. Não é a primeira vez que os museus fecham: durante guerras, grandes desastres naturais ou acidentes levaram ao fechamento dessas instituições. As portas são cerradas em momentos de crise e grandes mudanças. Então, neste novo despertar, que nós possamos pensar em museus que promovam uma sociedade mais justa e igual e que a pandemia de COVID-19 não seja apenas uma marca estratigráfica misteriosa para os conservadores de obras de arte do futuro, o mundo “dC”.

 

Referências:

Casadio, Francesca. Will Coronavirus Forever Change the Chemical Compositions of ArtworksArtNews. 8 de Maio de 2020. 

Fanning, Thomas G., R. D. Slemons, Ann H. Reid, Thomas A. Janczewski, J. Dean, and Jeffery K. Taubenberger. 2002. “1917 Avian Influenza Virus Sequences Suggest That the 1918 Pandemic Virus Did Not Acquire Its Hemagglutinin Directly from Birds.” Journal of Virology 76 (15): 7860–62. 

Kemp, Christopher. 2015. “Museums: The Endangered Dead.” Nature 518 (7539): 292–94. 

Prôa, Miguel; Donini, Aline. 2019. Museums, nature and society: the use of natural history collections for futhering public well-being, inclusion, and participationThe Museum Scholar.Theory and Practice  2 . 

Mariana Galera Soler

Publicado em 22.05.2020