ARTIGO DE OPINIÃO
Menos horas para a História?

OLGA MAGALHÃES | Professora no Departamento de Pedagogia e Educação da Universidade de Évora e Investigadora do CIDEHUS-UÉ

A investigação tem mostrado que a aquisição e desenvolvimento de competências de literacia histórica pelos jovens contribui positivamente para a sua capacidade de ler e interpretar o mundo. Ora, a complexidade do mundo atual sugere que, para que existam cidadãos informados e, sobretudo, capazes de analisar e processar informação díspar e contraditória, capazes de tomar decisões informadas, a História é um instrumento imprescindível. É na aula de História que crianças e adolescentes podem adquirir hábitos de análise e interpretação de fontes, de cruzamento de ideias e de verificação da consistência de argumentos. É na aula de História que se confrontam com a estranheza de outros modos de viver e pensar, tal como chegam até nós nos fragmentos de passado a que temos acesso. É na aula de História que se contrapõem argumentos e se colocam em contextos esses fragmentos, procurando construir narrativas coerentes e explicativas. É na aula de História que se adquire e exercita o raciocínio histórico, recriando ideias e pensamentos, problematizando situações e confrontando múltiplas perspetivas. É na aula de História que se testa a plausibilidade e a consistência de argumentos e explicações. É na aula de História que se alimenta a imaginação histórica sem a qual não conseguiremos nunca colocar-nos no lugar do outro, para o compreender mesmo que dele discordemos.

Adquirir estas competências é um processo longo, que exige investimento de professores e estudantes. Exige a imersão num trabalho sistemático de contextualização e interrogação de múltiplas fontes que possam elucidar um determinado aspeto ou trazer explicações plausíveis. Ora esse processo é incompatível com a sistemática redução de tempos letivos da disciplina de História no ensino básico, sobretudo se acompanhada da manutenção de programas escolares que foram pensados há mais de vinte anos para um número bem superior de horas semanais.

Os documentos legais parecem oscilar entre reconhecer este papel da disciplina de História quando, por exemplo, no Perfil dos Alunos à Saída da Escolaridade Obrigatória (2017) se consagra que os estudantes devem ser capazes de “pensar de modo abrangente e em profundidade, de forma lógica, observando, analisando informação, experiências ou ideias, argumentando com recurso a critérios implícitos ou explícitos, com vista à tomada de posição fundamentada” ou se afirma no documento das Aprendizagens Essenciais (2018) que “a História, através da análise fundamentada e crítica de exemplos do passado, é uma disciplina fundamental para promover a cultura de autonomia e responsabilidade” e depois, por razões relacionadas com a autonomia das escolas e da gestão da flexibilidade escolar, se retiram tempos letivos a essa disciplina reconhecida como fundamental.

A História só pode cumprir essa tarefa se dispuser de tempo – sem tempo, a aula de História converte-se provavelmente num monólogo em que o professor discorre sobre acontecimentos eventualmente ocorridos num tempo longínquo, os estudantes são afastados da curiosidade e do interesse pelo conhecimento e descoberta. Uma aula de História em que se trata rapidamente de muitos séculos é o contrário do que se pede, é um apelo a uma História que se decora e se esquece, que aborrece e afasta estudantes. É um apelo a uma História na qual os estudantes não conseguem encontrar nem interesse nem utilidade. 

 

Publicado em 09.04.2019